O mercado financeiro brasileiro testemunha um momento de inflexão: 30 de junho de 2025 marca a entrada total em vigor da Resolução CVM 175, com o fim do prazo de adaptação dos Fundos de Investimentos às normas.
Mais do que um mero ajuste normativo, a Resolução se consolida como o mais relevante marco regulatório para a indústria de fundos de investimento em décadas, prometendo um ecossistema mais moderno, eficiente e alinhado às práticas internacionais.
Fruto de um diálogo profundo e intenso entre a RCVM, a ANBIMA e os demais participantes do mercado, a RCVM 175 é um pilar para o avanço contínuo e a sofisticação do setor.
A Arquitetura da Mudança: Inovações e Desafios de Implementação
A Resolução CVM 175, desde sua publicação inicial, tem sido um motor de transformações substanciais. Diversas de suas disposições foram prontamente assimiladas e implementadas, refletindo a capacidade de adaptação e a maturidade dos agentes do mercado.
Uma das inovações mais bem-vindas, e que já se encontra plenamente operacional, é a clara segregação de responsabilidades entre o administrador fiduciário e o gestor, conforme delineado no Capítulo II da Parte Geral.
Essa distinção, que promove uma governança mais robusta e transparente, foi internalizada de forma notável pelas instituições, fortalecendo a estrutura de controle e a diligência na administração dos recursos.
A flexibilização para a constituição de classes e subclasses de cotas, um dos pilares da RCVM 175, encontra-se detalhada no Artigo 2º, §3º, e nos Capítulos V e VI da Parte Geral. Essa permissão permitiu uma personalização sem precedentes dos produtos de investimento, com o surgimento de fundos que atendem a perfis de risco, prazos e estratégias de distribuição de rendimentos diversificados.
A capacidade de segmentar o público, inclusive com classes específicas para investidores qualificados e profissionais, simplificou a oferta de produtos mais complexos, como certos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e Fundos de Investimento em Participações (FIPs), impulsionando a sofisticação e a inclusão de investidores.
A abertura para investimentos em criptoativos, embora ainda com regulamentações específicas necessárias, representa um avanço significativo, permitindo que fundos de investimento incorporem esses ativos em suas carteiras, conforme o Anexo Normativo I (Fundos de Investimento Financeiro – FIFs).
A conduta da CVM posiciona o Brasil na vanguarda da regulamentação de ativos digitais em fundos, pretendendo atrair um novo perfil de investidor e estimulando a inovação no desenvolvimento de produtos, cumprindo o seu papel.
No entanto, a magnitude da Resolução CVM 175 impõe desafios naturais de adaptação. A plena compreensão e aplicação das novas regras relativas à responsabilidade dos prestadores de serviços essenciais, detalhadas no Capítulo III da Parte Geral, ainda estão em fase de consolidação para alguns participantes.
Embora a norma defina os contornos dessa responsabilidade, a operacionalização de acordos de nível de serviço (SLAs) e a gestão de riscos de terceirizados de forma totalmente alinhada à Resolução demandam um aprofundamento contínuo nas práticas de due diligence e monitoramento.
Adicionalmente, a disciplina referente aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), que passou por uma revisão minuciosa no Anexo Normativo III, exige um período de assimilação mais extenso.
As novas exigências de governança, o detalhamento das responsabilidades dos diversos prestadores de serviço, aprimorando o disposto no Anexo III, e a adaptação dos processos de securitização, particularmente no que tange à constituição dos direitos creditórios e à transparência das informações, demandam um alinhamento preciso por parte de todos os elos da cadeia.
A complexidade intrínseca a esses veículos requer uma curva de aprendizado mais longa para garantir a conformidade plena e a maximização dos benefícios.
Outro ponto que merece atenção é a completa assimilação das diretrizes para os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs), abordadas no Anexo Normativo IV. Embora a estrutura fundamental dos FIIs tenha sido preservada, a Resolução trouxe ajustes em termos de governança, deliberação de assembleias e disclosures, que exigem a readequação de estatutos e procedimentos internos para garantir a conformidade integral.
A Resolução CVM 175, ao unificar o regime geral dos fundos, trouxe uma nova ótica para os FIIs, que agora se beneficiam de regras mais consistentes com o arcabouço geral.
Os Últimos Obstáculos: Desafios na Reta Final da Adaptação
Às vésperas da entrada total em vigor da Resolução CVM 175, o cenário de adaptação do mercado revela tanto progresso quanto desafios remanescentes. Dados recentes da ANBIMA, divulgados em março de 2025, indicam que 69% dos fundos já estão adaptados à nova regulamentação, um avanço notável que demonstra o empenho da maioria dos administradores e gestores.
Essa parcela significativa de conformidade é um indicativo positivo da capacidade de resposta do mercado e da aceitação das inovações propostas.
No entanto, a CVM, por sua vez, sinalizou uma certa resistência por parte de uma parcela dos fundos em adotar as novas regras, conforme reportado em junho de 2025.
Essa divergência destaca que, apesar do esforço da maioria, aproximadamente um terço da indústria ainda enfrenta obstáculos para se adequar plenamente até o prazo final de 30 de junho.
Os desafios, nesse sentido, não são triviais e podem envolver uma série de fatores, como a complexidade de certas estruturas de fundos mais antigas, a necessidade de revisões contratuais extensas, a adaptação de sistemas e processos internos, e, em alguns casos, a própria interpretação das novas diretrizes.
A adaptação, para esses fundos, exige um esforço final intensivo, que vai desde a revisão dos regulamentos e prospectos até a readequação de suas estruturas operacionais e de governança para cumprir todas as exigências dos anexos normativos específicos de cada tipo de fundo.
A Resolução CVM 175: Um Olhar para o Futuro do Mercado de Fundos
A Resolução CVM 175 transcende a condição de um mero compilado de artigos e incisos, representando um direcionamento estratégico para o futuro do mercado de fundos de investimento no Brasil. As expectativas para o período pós 30 de junho de 2025 são substancialmente positivas:
- Aumento da Atratividade Internacional: A harmonização com padrões globais e a maior transparência, especialmente em temas como governança e responsabilidade dos prestadores de serviço, tornarão o mercado brasileiro mais atraente para investidores institucionais estrangeiros. Isso se traduzirá em um influxo de capital, fomentando a liquidez e o desenvolvimento de novos segmentos.
- Impulso à Inovação e Diversificação de Produtos: A flexibilidade para criar novas classes e subclasses de cotas e a abertura para novos ativos, incluindo os criptoativos via FIFs, estimularão a criação de produtos inovadores e sofisticados, atendendo às demandas de um universo de investidores cada vez mais diversificado. O surgimento de Fundos de Investimento em Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGROs), por exemplo, é um reflexo dessa nova dinâmica, mesmo que regulados por normativos específicos que se inspiram na flexibilidade da RCVM 175.
- Fortalecimento da Governança e da Proteção ao Investidor: A segregação de responsabilidades entre administrador e gestor, as novas diretrizes para prestadores de serviços essenciais e o aprimoramento das informações a serem divulgadas nos regulamentos e prospectos elevam o patamar de governança e de proteção aos interesses dos cotistas, conferindo maior segurança jurídica e operacional.
- Otimização da Eficiência Operacional: A consolidação de diversas normas em uma única resolução, a modernização de certos processos e a clareza nas atribuições tendem a simplificar o arcabouço regulatório, reduzindo custos operacionais e otimizando a gestão dos fundos. A RCVM 175 pavimenta o caminho para uma digitalização mais ampla e eficiente do ciclo de vida dos fundos.
Em suma, a entrada total em vigor da Resolução CVM 175 é mais do que um evento, é a materialização de uma visão de futuro para o mercado de capitais brasileiro.
Embora os últimos dias antes do prazo final sejam de intensa atividade para os fundos ainda em processo de adaptação, a maioria da indústria já está alinhada, o que sugere um período de transição bem-sucedido.
Ao abraçar as inovações e superar os desafios inerentes à sua implementação, os participantes do mercado estão edificando um alicerce sólido para o crescimento sustentável e para a prosperidade de uma vasta gama de investidores.
O futuro, com a Resolução CVM 175 em pleno vigor, promete um mercado de fundos ainda mais vibrante, seguro e repleto de oportunidades para todos os seus stakeholders.