Como Startups Acessam Capital de Fundos e Atraem Investidores Institucionais sem Abrir Mão das Vantagens do Simples Nacional

O Simples Nacional é um regime tributário simplificado criado para micro e pequenas empresas, que unifica e reduz a carga de impostos, ideal para negócios que estão começando, Startups.

Optar pelo Simples importa diversos benefícios, como menor burocracia, unificação dos tributos (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, CPP, IPI, ICMS, ISS), e tributação reduzida, especialmente quanto à contribuição social sobre a folha de pagamentos.

No entanto, esse regime impõe restrições societárias, como por exemplo, no qual uma empresa optante pelo Simples não pode ter pessoa jurídica como sócia, nem participar do capital de outra empresa, conforme a Lei Complementar nº 123/2006.

Em outras palavras, se uma Startup no Simples receber investimento de uma empresa ou fundo por meio de participação societária direta (tornando-se sócio), ela será obrigada a se desenquadrar do Simples Nacional, perdendo os benefícios tributários.

Mas como então obter investimento de fundos do mercado financeiro sem precisar optar por outro regime tributário e manter as vantagens da opção pelo Simples Nacional?

A solução está em utilizar instrumentos jurídicos e financeiros alternativos que permitam o aporte de recursos sem ingresso do investidor no capital social da Startup. Dessa forma, a Startup capta o dinheiro necessário para crescer, enquanto mantém sua estrutura societária original e a opção pelo Simples Nacional.

Sendo assim, cumpre explorar porque instrumentos tradicionais como debêntures não se aplicam bem a essas empresas, e quais alternativas inovadoras vêm sendo usadas no Brasil, como a Nota Comercial, a CCB, contratos conversíveis e até tokens, para viabilizar a captação de recursos por Startups sem comprometer seu enquadramento tributário.

As Debêntures e suas Limitações para Startups no Simples Nacional

No mercado de capitais tradicional, debêntures são títulos de dívida usados por sociedades por ações, também conhecidas como sociedades anônimas (S.A.), para captar recursos de investidores.

Na prática, uma debênture é um empréstimo feito pelos investidores à empresa, formalizado via um título que pode ser negociado, podendo ser convertida em participação societária. Contudo, debêntures não são viáveis para a maioria das Startups optantes do Simples, por vários motivos:

Exigência de Sociedade Anônima: Para emitir debêntures, normalmente a empresa precisa ser uma S.A. de capital aberto ou fechado. A maioria das Startups iniciam como sociedade limitada (Ltda.), forma jurídica compatível com o Simples Nacional. Transformar-se em uma S.A. envolve adaptação e custos, e empresas nessa categoria geralmente não podem optar pelo Simples Nacional. Ou seja, a Startup teria que mudar de Ltda. para S.A. e provavelmente sair do regime Simples Nacional apenas para emitir debêntures.

Custos e procedimentos complexos: Emissões de debêntures requerem registro na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para serem adquiridas por Fundos de Investimentos, ou ao menos cumprir normas que dispensem o registro. De qualquer forma, há custos significativos com escrituração, agente fiduciário, registro, distribuição, etc. Para uma pequena empresa, esses custos podem ser proibitivos.

Em suma, as debêntures são instrumentos mais adequados a empresas já de maior porte e que não sejam optantes pelo Simples Nacional. A boa notícia é que há instrumentos alternativos mais flexíveis, permitindo que Startups sob a forma de sociedade limitada (Ltda.) captem recursos de fundos via dívida ou participação indireta, mantendo-se no Simples Nacional.

Instrumentos Alternativos de Captação de Recursos para Startups

Nota Comercial, uma Alternativa às Debêntures

A Nota Comercial é uma inovação recente no mercado brasileiro, criada exatamente para facilitar a captação de recursos via mercado de capitais por empresas de menor porte. Instituída pela Lei nº 14.195/2021, a Nota Comercial é um título de crédito emitido em forma escritural (digital) por empresas, que ao mesmo tempo é considerado um valor mobiliário (título regulado).

Em termos simples, funciona como uma promessa de pagamento futura que a empresa faz em favor do investidor que lhe fornece os recursos.

Por que a Nota Comercial é tão interessante para Startups?

Diferentemente das debêntures, pode ser emitida por sociedades limitadas, além de sociedades anônimas fechadas ou abertas (e cooperativas), sendo vedada para MEIs, pessoas físicas ou outras formas não previstas.

Ou seja, Startups sob a forma de sociedades empresárias limitadas podem emitir Nota Comercial sem precisar mudar sua natureza jurídica. Além disso, sua emissão não exige intermediação de instituição financeira, não é preciso um banco no meio do processo, e não há incidência de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) na captação, tornando o custo financeiro mais baixo.

A Nota Comercial traz a flexibilidade das negociações em mercado de capitais, pois pode ser distribuída para fundos de investimento ou investidores qualificados em ofertas públicas ou privadas, dentro das normas da CVM.

Como é um valor mobiliário, pode ser objeto de oferta específica, por exemplo, permitindo a captação junto a fundos de forma relativamente ágil.

Outra grande vantagem é a possibilidade de incluir cláusulas de conversibilidade em participação societária em caso de oferta privada.

Isso significa que, embora por definição a Nota Comercial seja “não conversível em ações” (diferentemente de uma debênture conversível), nada impede que se pactue contratualmente a opção de, futuramente, a dívida se converter em participação na Startup, por exemplo, se ela vier a se transformar em S.A. no futuro ou em um evento de liquidez.

Essa conversão seria feita em uma negociação privada, alinhada entre investidor e empresa, mantendo durante o período do investimento a natureza de dívida (assim o investidor não entra no capital nem interfere na opção pelo Simples Nacional).

Em síntese, a Nota Comercial abre as portas do mercado de capitais para Startups de forma segura e flexível, servindo como substituta da debênture tradicional na captação de recursos.

Cédula de Crédito Bancário (CCB): o “empréstimo bancário” repassado a fundos

Outra ferramenta bastante utilizada é a Cédula de Crédito Bancário (CCB). Prevista na Lei nº 10.931/2004, a CCB é um título de crédito bancário que formaliza operações de empréstimo em geral.

Em uma operação com CCB, a Startup “celebra um contrato de empréstimo” com uma instituição financeira (por exemplo, um banco ou fintech autorizada) emitindo a CCB representando esse crédito.

Esse título deverá prever diversas condições, como juros, garantias (caução de títulos, alienação fiduciária de bens, etc.) e vencimento antecipado, oferecendo segurança jurídica ao credor.

Mas onde entram os fundos nessa história?

A grande sacada é que, depois de emitida e concedido o empréstimo à Startup, a CCB pode ser endossada ou cedida a terceiros, como um fundo de investimento. Ou seja, a instituição financeira inicialmente origina o crédito, mas transfere a posição de credor para um fundo interessado em financiar aquela Startup.

Dessa forma, na prática, é o fundo que provê os recursos e assume o risco do empréstimo, mas estruturado via uma instituição financeira para atender à legislação.

Essa operação muitas vezes é viabilizada por plataformas de Banking as a Service (BaaS) e securitizadoras, que atuam nos bastidores para estruturar a CCB e repassá-la aos investidores.

A CCB, porém, envolve alguns pontos de atenção. Primeiro, por ser uma operação financeira formal, via instituição financeira, há incidência de IOF sobre o valor captado (o que aumenta um pouco o custo para a Startup).

Segundo, exige a participação de uma instituição financeira ou equiparada, o que pode adicionar certa burocracia e custos de serviço.

Em comparação com a Nota Comercial, a CCB é um instrumento mais antigo e tradicional, já existindo há aproximadamente duas décadas, mas com menos flexibilidade de negociação direta pela empresa, pois depende do canal bancário.

Ainda assim, tem sido utilizada em operações de “venture debt”, quando fundos de crédito ou mesmo fundos híbridos querem emprestar a Startups com taxas definidas, sem entrar no capital social.

A Startup continua sob a forma de Ltda., optante do Simples, e o fundo torna-se credor via CCB, sem nunca figurar como sócio da empresa.

Mútuo conversível – empréstimo com opção de conversão em participação

Além dos títulos formalizados como Nota Comercial ou CCB, muitas Startups recorrem ao clássico contrato de mútuo conversível, conhecido internacionalmente como convertible note ou SAFE (no caso de acordos de conversão futuros sem forma de título de dívida tradicional).

O mútuo conversível nada mais é que um empréstimo feito pelos investidores à Startup, normalmente sem garantia real, que traz em suas cláusulas o direito (ou obrigação, a depender do contrato) de converter o valor emprestado em participação societária futura.

No Brasil, o mútuo conversível geralmente é estruturado via um contrato particular, sem registro público e sem ser valor mobiliário, a não ser que seja ofertado publicamente (o que não costuma ocorrer, ele é usado em rodadas privadas, normalmente).

Para a startup no Simples Nacional, o mútuo conversível pode ser uma boa saída, pois até o momento da conversão efetiva em quotas/ações, o investidor não é sócio.

Assim, durante a vigência do mútuo (que pode ser, por exemplo, até a próxima rodada de investimento ou um prazo determinado), a empresa mantém seu enquadramento no Simples Nacional.

Somente quando ocorrer a conversão em participação é que os investidores entram no capital, e isso pode ser planejado para um evento futuro, como a transformação em S.A. ou quando a empresa já estiver preparada para sair do Simples Nacional devido ao crescimento, faturamento.

É importante, contudo, estruturar bem o mútuo conversível para proteger tanto a startup quanto o investidor. Aspectos como taxa de juros (se houver), desconto ou valuation cap para a conversão, prazo máximo para conversão ou vencimento, e tratamento caso a conversão não ocorra (por exemplo, se vira dívida exigível) devem ser claros.

Diferente da Nota Comercial ou CCB, o mútuo conversível não tem, por si só, um caráter executável tão forte quanto um título de crédito, é mais um contrato que, se descumprido, depende de medidas judiciais para execução.

Para assegurar a participação futura dos credores/investidores na sociedade, muitas vezes são utilizadas ferramentas como Call Options (instrumentos de contrato de opção de compra) e Put Options (instrumentos de contrato de opção de venda), conforme a necessidade de oportunidade.

Por isso, alguns investidores preferem estruturar via Nota Comercial conversível, que combina a força de um título de crédito com a opção de conversão, conforme vimos.

Contrato de participação (Investidor-Anjo) e aporte sem societário previsto em lei

Uma alternativa especificamente criada pelo legislador para empresas de pequeno porte é o chamado Contrato de Participação do Investidor-Anjo.

Introduzido pela Lei Complementar nº 155/2016 (que acrescentou os artigos 61-A a 61-D na LC 123/06), esse contrato permite que a Startup receba um aporte de capital de um investidor (que pode ser pessoa física ou mesmo um fundo de investimento) sem que ele se torne sócio nem interfira na gestão.

Na prática, o investidor-anjo faz um aporte com expectativa de retorno, mas não entra no capital social e não tem direito a voto ou administração.

Assim, a empresa permanece exclusivamente nas mãos dos sócios originais para fins societários, mantendo a opção pelo regime tributário do Simples.

Pelo contrato de participação, o investidor-anjo tem direito a uma remuneração anual limitada a até 50% dos lucros da empresa, por um período máximo de 5 ou 7 anos (conforme a regulamentação), funcionando quase como uma participação nos lucros.

Esse contrato pode prever opção de conversão do valor investido em participação societária ao final do período, se as partes assim desejarem, ou a devolução (resgate) do aporte após um prazo mínimo de 2 (dois) anos.

Importante destacar que, segundo a própria legislação, o capital aportado pelo investidor-anjo não é considerado receita da sociedade (não conta como faturamento) e não impede a permanência no Simples Nacional.

Ou seja, é uma estrutura expressamente pensada para fomentar startups e pequenas empresas, garantindo que o benefício tributário não se perca devido ao investimento.

Apesar das vantagens, o contrato de investidor-anjo tem suas limitações, quais sejam: o investidor não pode ter ingerência na empresa (o que alguns fundos não acham atrativo, pois gostam de influenciar a gestão), e o retorno é limitado.

Além disso, a figura do investidor-anjo, embora possível para fundos, costuma ser mais utilizada por pessoas físicas de alto patrimônio ou business angels.

De todo modo, é uma ferramenta jurídica válida e segura para aportes sem entrada no capital.

Tokens e crowdfunding – novas fronteiras de captação

Por fim, é importante mencionar modelos inovadores que vêm ganhando espaço e podem, em tese, auxiliar Startups optantes pelo Simples Nacional a levantar recursos sem desenquadramento.

Um deles é a tokenização de ativos, usando tecnologia blockchain, a empresa pode emitir tokens que representem algum direito econômico, por exemplo, uma parcela de um contrato de dívida, de receita futura ou até de participação indireta, e vender esses tokens a investidores.

Esses tokens funcionariam como títulos digitais. No Brasil, já há iniciativas de tokenização de títulos como recebíveis e debêntures e certificados de recebíveis via blockchain, proporcionando mais eficiência e transparência nas operações.

Para Startups, emitir tokens pode ser uma forma de captar de vários investidores sem trazê-los formalmente ao quadro societário. Contudo, é preciso cautela regulatória, pois se o token conferir ao investidor um direito que se assemelha a valor mobiliário (como promessa de remuneração futura, participação nos resultados etc.), pode ser caracterizado como security e sujeito às normas da CVM.

Assim, qualquer oferta de tokens como investimento deve estar em conformidade com a regulação vigente.

Ainda é um campo novo, e recomenda-se assessoria especializada caso a Startup opte por esse caminho.

Outra via é o crowdfunding, regulamentado pela CVM (atualmente pela Resolução CVM 88). Nessa modalidade, a Startup pode fazer uma oferta pública de pequenas participações para diversos investidores (em sua maioria, pessoas físicas), através de plataformas autorizadas.

O crowdfunding permite captar até certos limites anuais com dispensa de registro, e frequentemente as empresas beneficiadas ainda são de pequeno porte. Se estruturado de modo que apenas pessoas físicas entrem como acionistas/quotistas (ou via estruturas que não configurem pessoa jurídica no capital), a Startup pode receber dezenas de sócios pessoa física e continuar no Simples Nacional, já que a vedação legal é apenas contra sócios pessoas jurídicas.

A dificuldade aqui é gerenciar um quadro societário com muitos investidores minoritários, por isso, algumas estruturas usam veículos agregadores, mas é preciso cuidar para que o veículo em si não seja uma pessoa jurídica que vire sócia da Startup, o que inviabilizaria a opção pelo Simples Nacional.

De toda forma, o equity crowdfunding tem se consolidado como alternativa de financiamento para Startups no Brasil, democratizando o investimento, e pode ser considerado dentro de um planejamento bem orientado.

Conclusão

Obter investimentos de fundos e investidores profissionais sem abrir mão da opção e das vantagens do Simples Nacional é plenamente possível, desde que sejam utilizados os instrumentos corretos e haja planejamento.

Observa-se que há diversos caminhos, desde títulos de dívida como Nota Comercial e CCB, passando por contratos conversíveis e de participação, até mecanismos inovadores como tokens e crowdfunding.

Cada alternativa tem suas vantagens e requisitos legais, por exemplo, a Nota Comercial oferece acesso ao mercado de capitais sem instituição financeira e sem IOF, enquanto a CCB traz a solidez de um contrato bancário tradicional.

Já o investidor-anjo tem respaldo legal claro para manutenção no Simples Nacional, e o mútuo conversível oferece flexibilidade negociável caso a caso.

Para escolher a melhor estrutura, a startup deve considerar fatores como o valor a ser captado, perfil do investidor (fundo de crédito, fundo de equity, investidor individual), apetite a riscos e diluição, custo tributário, prazo de investimento e planos futuros (por exemplo, quando talvez fará sentido migrar para Lucro Presumido/Real ou transforma-se em S.A.).

Assessoria jurídica e contábil especializada é essencial nesse processo, garantindo que os contratos e títulos sejam emitidos em conformidade com a legislação financeira e societária, e que não haja surpresa com a Receita Federal quanto ao enquadramento.

Com a orientação adequada, uma Startup pode crescer com aporte de recursos externos e ainda assim aproveitar os benefícios do Simples Nacional até o momento adequado, unindo o melhor dos dois mundos, o fôlego financeiro para expandir e a eficiência tributária para prosperar.

Em caso de dúvidas ou complexidades, conte com profissionais experientes em direito societário e mercado financeiro para desenhar a operação ideal, assim, Startups e investidores poderão celebrar parcerias sólidas, inovadoras e juridicamente seguras, impulsionando a inovação sem descuidar da conformidade legal.