Como Proteger o Patrimônio Pessoal dos Sócios e Administradores das Dívidas Tributárias da Empresa

A separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios é um pilar do direito tributário e empresarial, garantindo a segurança necessária para o sucesso da atividade econômica.

Contudo, especialmente no âmbito tributário, essa barreira pode ser transposta, gerando uma das maiores preocupações de empreendedores e gestores, qual seja, a responsabilização pessoal por dívidas tributárias do negócio, pessoa jurídica.

O problema se materializa quando o fisco, diante de uma dívida não paga pela empresa, busca alcançar os bens particulares daqueles que a administravam.

Essa medida, muitas vezes através do redirecionamento da execução fiscal, outras pela inclusão dos sócios e administradores na CDA (Certidão de Dívida Ativa) não é automática e depende de requisitos específicos, cuja compreensão é vital para a proteção patrimonial.

Frequentemente, a diferença entre um administrador que consegue proteger seu patrimônio e outro que o vê ser consumido por dívidas da empresa reside não na sorte, mas na diligência e no conhecimento das regras do jogo (e uma assessoria tributária experiente e especializada).

A trajetória de ambos os cenários revela a importância do compliance fiscal, da governança e do cumprimento estrito dos deveres legais e, portanto, é essencial compartilhar os fundamentos que autorizam ou impedem essa responsabilização, com base no Código Tributário Nacional (CTN) e na jurisprudência consolidada dos Tribunais, para traçar um caminho seguro, especialmente aos aos administradores.

I – A Regra Geral da Responsabilidade e suas Exceções

A norma fundamental que rege a responsabilidade de terceiros é o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, o qual determina que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com “[…] excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.

É essencial notar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou, por meio da Súmula 430, o entendimento de que “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

Ou seja, a simples falta de pagamento de um tributo não é, isoladamente, uma “infração à lei” para fins do artigo 135 do CTN.

Dessa forma, imagine dois sócios-administradores cujas empresas enfrentam uma crise severa e se tornam inadimplentes com seus tributos.

O um dos administradores de uma das empresas, em desespero, começa a utilizar recursos do negócio para pagar despesas pessoais, deixa de declarar corretamente as operações e não mantém os livros contábeis em ordem.

O segundo administrador, da outra empresa, por sua vez, embora também não consiga pagar os impostos, mantém a contabilidade rigorosamente em dia, não mistura seu patrimônio com o da empresa e documenta todas as decisões administrativas.

A conduta do primeiro configura uma gestão com infração à lei e ao contrato social, abrindo a porta para sua responsabilização pessoal, enquanto a do primeiro, ainda que inadimplente, pode ser defendida com elevada chance de êxito.

II – A Presunção de Dissolução Irregular: A Principal Armadilha que Pode ser Evitada

Uma das situações mais comuns que levam ao redirecionamento da execução fiscal é a chamada “dissolução irregular” da sociedade.

O tema foi objeto de extensa análise pelo STJ, resultando na edição da Súmula 435 com o seguinte enunciado “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

Aqui, o exemplo comparativo se aprofunda. A empresa do primeiro administrador, ao se tornar inviável, simplesmente “fecha as portas”.

O administrador abandona o imóvel onde funcionava o negócio, não formaliza o encerramento na Junta Comercial nem comunica a alteração de endereço à Receita Federal.

Tempo depois, um oficial de justiça tenta citar a empresa no endereço antigo para a apresentação de defesa em execução fiscal e certifica que o empreendimento não mais se encontra no local, ou que se mudou.

Para o Judiciário, essa é a comprovação da presunção da dissolução irregular, prevista na Súmula 435, portanto, o juiz, a pedido da Fazenda Pública, determina o redirecionamento da cobrança contra o administrador, que agora responderá com seus bens pessoais.

Diferentemente, o segundo administrador, enfrentando a mesma dificuldade, adota uma outra postura, geralmente orientada por um profissional com experiência na área.

Ao perceber a inviabilidade do negócio, ele contrata assessoria para realizar a dissolução regular da sociedade, ou, alternativamente, não sendo viável a dissolução regular, altera, formalmente o endereço no órgão competente para um local onde possa receber citações, intimações e correspondências, bem como informa à Receita Federal, Secretaria de Estado da Fazenda e outros órgão necessários, realizando atualização cadastral imediatamente.

Ao ser procurada pelo fisco, oficiais de justiça, a empresa seria encontrada, recebendo a citação e realizando os atos necessários, como manifestações e respostas. Dessa forma, esse administrador evitou a presunção de dissolução irregular e protegeu seu patrimônio, pois o ônus de provar um ato de gestão ilegal (conforme o art. 135 do CTN) permaneceu com a Fazenda Pública.

As atitudes do administrador que evitou a responsabilização do seu patrimônio pelas dívidas da empresa malsucedida não são nada extraordinárias, nada além da sua obrigação e responsabilidade quando assumiu a função perante o registro público.

III – A Medida Extraordinária da Autofalência como Mecanismo de Dissolução Regular e Proteção Patrimonial

Quando a crise financeira de uma empresa atinge um ponto de insolvência irreversível, muitos gestores acreditam que o abandono da sociedade é a única saída, caindo na armadilha da dissolução irregular.

Contudo, o ordenamento jurídico oferece um instrumento tecnicamente adequado que, embora drástico, constitui uma forma de encerramento regular: a autofalência.

Prevista na Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005), notadamente em seu artigo 105, a autofalência é o ato pelo qual o próprio devedor, reconhecendo sua incapacidade de honrar seus compromissos, requer ao Judiciário a decretação de sua falência.

Longe de ser um ato de abandono, a autofalência representa um ato de responsabilidade, pois submete o encerramento da empresa à supervisão judicial.

Do ponto de vista tributário, sua principal vantagem é afastar por completo a presunção de dissolução irregular.

Ao ingressar com o pedido, o administrador não “some” nem “abandona” a empresa, pelo contrário, ele a entrega formalmente ao Juízo, para que seja feita a liquidação de seus ativos e o pagamento dos credores na ordem de preferência legal.

Com a decretação da falência, os administradores são afastados de suas funções, e um administrador judicial é nomeado. Esse procedimento é, por sua natureza, uma forma de dissolução regular, o que impede a aplicação automática da Súmula 435 do STJ e, consequentemente, o redirecionamento da execução fiscal com base nesse fundamento.

Portanto, para o administrador diligente que se vê diante de uma empresa economicamente inviável, a autofalência pode ser a última e mais segura decisão de gestão, garantindo um fim ordenado ao negócio e criando uma robusta barreira de proteção ao seu patrimônio pessoal, desde que não tenha praticado outros atos que configurem infração à lei.

Conclusão

A responsabilidade pessoal de sócios e administradores por dívidas tributárias da empresa não é uma consequência inevitável do insucesso empresarial, mas sim uma sanção por atos de má gestão.

A proteção patrimonial não se constrói com manobras evasivas, mas com uma conduta pautada pela legalidade e transparência.

A distinção fundamental entre o administrador que protege seus bens e o que se vê executado reside na diligência: manter a escrituração contábil em dia, não confundir patrimônios, cumprir as obrigações acessórias e, crucialmente, em caso de encerramento das atividades, seguir um rito legal, seja a dissolução ordinária, seja o caminho da autofalência.

Ainda, a manutenção dos cadastros atualizados, mantendo uma sede na qual as correspondências oficiais, citações, notificações, sejam recebidas e comparecer nos autos dos processos representados por advogados, permitirá aos administradores proteger seu patrimônio pessoal das dívidas da empresa.

A defesa técnica em uma execução fiscal é vital, mas a prevenção, por meio de uma governança tributária adequada, é a estratégia mais eficaz. Aquele que documenta seus atos e zela pela regularidade formal da empresa, mesmo em seu fim, constrói a mais sólida barreira de proteção entre o CNPJ e o seu CPF.