Introdução
A publicação da Lei Complementar nº 214, em 16 de janeiro de 2025, marca o ponto de virada na implementação da Reforma Tributária para o mercado financeiro e de capitais, manifestando a regulação dos novos tributos.
Para gestoras de fundos, administradoras fiduciárias, bancos, DTVMs, corretoras e fintechs, a regulamentação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual já possui regras definidas, publicadas e vigentes.
Com uma alíquota ainda a ser definida, diferente da padrão do chamado IVA dual, que está se consolidando-se na faixa de 26,5% a 28,5%, os serviços financeiros precisarão se adaptar imediatamente para a estabilidade e competitividade.
Este texto pretende abordar alguns dos desafios a serem enfrentados por Diretores Jurídicos, Financeiros, Controllers e Contadores de entidades do Mercado Financeiro e de Capitais. O objetivo é traduzir o texto da Lei Complementar 214/2025 em ações práticas e imediatas.
A finalidade é capacitar os departamentos da sua instituição a implementarem as mudanças mandatórias, evitando as severas penalidades da não conformidade e as perdas financeiras decorrentes de uma adaptação tardia ou equivocada.
A substituição do PIS/COFINS pela CBS e do ISS/ICMS pelo IBS segue, conforme determinado pela regulamentação, uma metodologia de apuração completamente distinta para o setor financeiro.
A lógica do regime diferenciado, com sua base de cálculo ajustada e regras de creditamento próprias, está positivada e aguardando a implementação.
O domínio sobre esta nova sistemática legal é o que separará as instituições que prosperarão daquelas que apenas sobreviverão com dificuldades no novo ambiente regulatório com conformidade e estratégia, de forma essencial para navegar com segurança e assertividade em um mercado financeiro cuja incidência tributária foi permanentemente redesenhada.
I) Desenvolvimento
I.1) A Mecânica da LC 214/2025 e a Urgência na Adaptação
O desafio imposto pela Lei Complementar (LC) 214/2025 não é mais de interpretação de cenários, mas de implementação de regras mandatórias. A lei, regulamentando a Emenda Constitucional 132/2023, instituiu formalmente o regime específico de tributação para serviços financeiros, seguros e operações com ativos imobiliários.
A principal característica deste regime, agora lei, é a sua sistemática de apuração, que se afasta por completo da regra geral do IVA de débito e crédito, criando uma nova realidade fiscal para o setor.
O ponto central da nova legislação é a definição da base de cálculo. A LC 214/2025 estabelece que a CBS e o IBS incidirão sobre uma receita bruta ajustada, calculada pela diferença entre as receitas e determinadas despesas dedutíveis inerentes à intermediação financeira.
Em outras palavras, a lei positivou a tributação sobre o “spread” da atividade. O problema imediato para os departamentos contábil e fiscal é que o rol de despesas dedutíveis é taxativo e estrito.
Custos que a instituição considera parte de sua margem econômica, mas que não estão expressamente listados na lei como dedutíveis, não poderão ser abatidos, resultando em uma base tributável potencialmente maior do que o esperado e exigindo uma reavaliação imediata da rentabilidade de cada produto.
Outro pilar do regime estabelecido pela LC 214/2025 é a regra geral de vedação ao crédito. As instituições financeiras e equiparadas, como regra, não têm o direito de se creditar da CBS e do IBS pagos na aquisição de bens e serviços de seus fornecedores.
Despesas administrativas essenciais como tecnologia, segurança, marketing, consultorias e aluguéis, que no regime cumulativo do PIS/COFINS já representavam um custo, agora têm esse tratamento consolidado em lei, sem possibilidade de creditamento, conforme previsto no artigo 187 da LC 214/2025.
Em contrapartida, a lei estabeleceu alíquotas nominais para este regime inferiores à alíquota padrão do IVA, buscando calibrar a carga tributária final. A tarefa dos Controllers é recalcular, com urgência, toda a planilha de custos, pois o impacto na última linha do resultado é direto e imediato.
A consequência mais premente é a necessidade de uma adaptação sistêmica e processual em tempo recorde. Os sistemas de ERP e as plataformas fiscais não estão, em sua maioria, preparados para a apuração determinada pela LC 214/2025.
É mandatório que os departamentos de TI, em conjunto com o financeiro e o contábil, executem um plano de emergência para adaptar os softwares à nova realidade.
A falha em classificar corretamente as receitas e despesas segundo as novas regras legais não é mais um risco futuro, mas uma infração presente, sujeita a autuações e multas que podem comprometer a saúde financeira da instituição.
[Fundamentação: Emenda Constitucional nº 132/2023 e Lei Complementar nº 214, de 15 de janeiro de 2025. O texto da lei pode ser consultado no Diário Oficial da União (DOU) de 16/01/2025 e na republicação de 23/01/2025.]
I.2) Estratégia de Superação: Plano de Ação Imediato para Conformidade e Otimização
Com a lei em vigor, a estratégia de superação se converte em um plano de ação executivo. A primeira diretriz é a auditoria de conformidade e recalibragem financeira.
Os departamentos de controladoria e finanças devem, imediatamente, realizar uma auditoria interna, mapeando todas as linhas do balanço contra as novas regras da LC 214/2025. Este não é mais um exercício de simulação, mas de apuração do impacto real.
O resultado desta auditoria deve gerar um relatório de impacto financeiro que servirá de base para as decisões do conselho de administração sobre precificação, alocação de capital e metas de rentabilidade para o ano.
A segunda ação estratégica é a execução do projeto de reengenharia de sistemas e processos. A força-tarefa multidisciplinar (TI, Fiscal, Contábil, Jurídico) deve passar da fase de planejamento para a de implementação.
A prioridade máxima é a parametrização dos sistemas de ERP e fiscais para que realizem a apuração da base de cálculo ajustada de forma automática e segura, conforme os estritos termos da nova lei.
Isso envolve a criação de novas classificações contábeis, o ajuste de algoritmos de cálculo e a realização de testes massivos com dados reais para garantir que, ao final do primeiro período de apuração, o cálculo da CBS e do IBS esteja 100% correto e defensável em uma eventual fiscalização.
Paralelamente, o departamento jurídico deve liderar a revisão e renegociação contratual em massa. Todos os contratos de produtos, serviços e com fornecedores devem ser analisados sob a ótica da LC 214/2025.
Contratos de fundos de investimento podem precisar de aditamentos em seus regulamentos para refletir a nova forma de tributação da taxa de administração. Contratos de crédito e de câmbio precisam ter suas cláusulas de custo e precificação ajustadas.
A inércia contratual pode levar a perdas financeiras significativas, seja por não repassar custos que se tornaram maiores ou por manter estruturas que se provaram fiscalmente ineficientes sob a nova lei.
Por fim, a estratégia de superação se consolida com um programa de educação corporativa contínua. A lei é nova e suas implicações práticas se desdobrarão com o tempo, através de soluções de consulta e da jurisprudência administrativa inicial.
É vital que todos os colaboradores dos departamentos afetados, do operacional ao estratégico, recebam treinamento intensivo e atualizações constantes sobre a LC 214/2025.
Uma equipe bem informada é a primeira linha de defesa contra erros de apuração e a principal fonte de insights para otimizar a operação dentro das novas regras do jogo. Este investimento em capital humano é o que garantirá uma transição suave e segura.
I.3) Soluções e Superações: Implementando a Nova Ordem Fiscal para Gerar Valor
A superação dos desafios da LC 214/2025 se traduz na implementação de soluções que não apenas garantem a conformidade, mas que posicionam a instituição à frente da concorrência.
A solução mais avançada é a adoção de uma plataforma de Tax Intelligence. Diferente de um simples software fiscal, essa plataforma integra dados contábeis, financeiros e operacionais para oferecer uma análise preditiva do impacto fiscal.
Ela permite que a diretoria, antes de lançar um novo produto ou fechar um grande contrato, simule com precisão o efeito na sua apuração de CBS/IBS, transformando a gestão tributária de uma obrigação reativa em uma poderosa ferramenta de tomada de decisão estratégica.
Outra solução de impacto direto no resultado é a criação de um centro de excelência em eficiência operacional. Como a LC 214/2025 eliminou a maior parte dos créditos fiscais sobre custos, a gestão rigorosa de despesas se tornou mais crucial do que nunca.
Este centro de excelência deve ter o mandato para questionar todos os custos, renegociar com fornecedores, otimizar processos via automação (RPA) e implementar uma cultura de austeridade inteligente em toda a organização. A eficiência conquistada não será apenas uma vantagem competitiva, mas um componente essencial da lucratividade no novo cenário.
A superação também se manifesta na sofisticação da engenharia de produtos e na comunicação com stakeholders. Agora que as regras são definitivas, há uma oportunidade para os mais criativos redesenharem produtos financeiros para serem mais eficientes dentro do novo arcabouço legal.
Instituições que conseguirem, por exemplo, estruturar fundos ou operações de crédito cuja remuneração se encaixe de forma mais otimizada na base de cálculo da LC 214/2025, ganharão uma vantagem de mercado.
Comunicar essa eficiência de forma clara e transparente para investidores e clientes, demonstrando como a gestão inteligente da nova lei beneficia a todos, construirá uma reputação de sofisticação e confiança.
Finalmente, a solução definitiva é a elevação da função fiscal ao nível estratégico do C-level. O Diretor Jurídico e o CFO, munidos de dados precisos gerados pelas novas ferramentas e processos, devem ter assento permanente nas discussões sobre o futuro do negócio.
A variável tributária, agora regida por uma lei complexa e específica, tornou-se um dos principais vetores de risco e oportunidade. Instituições onde a área fiscal é um parceiro estratégico, envolvido desde a concepção de um produto até a sua precificação final, são as que efetivamente superaram a reforma e a transformaram em um pilar de sua estratégia de crescimento sustentável.
Conclusões
A publicação da Lei Complementar nº 214/2025 encerra um ciclo de incertezas e dá início a uma nova era de obrigações e realidades fiscais para o mercado financeiro e de capitais. A questão não é mais “o que vai mudar?”, mas “como e com que rapidez minha instituição vai se adaptar à lei em vigor?”.
O regime diferenciado, com sua base de cálculo ajustada e restrição de créditos, exige uma revisão imediata e completa dos processos, sistemas e estratégias de negócio. A inação ou a demora na implementação das mudanças representa um risco financeiro e de conformidade inaceitável.
O sucesso na transição para o novo sistema tributário dependerá diretamente da agilidade e da profundidade com que os departamentos se preparam.
A auditoria de conformidade, a reengenharia de sistemas, a revisão de contratos e a capacitação das equipes são as quatro colunas que sustentarão uma adaptação segura e eficiente. Essas não são mais recomendações, mas sim um checklist de sobrevivência e competitividade no cenário pós-reforma.
Além do desafio da conformidade, a LC 214/2025 abre uma janela de oportunidade para as instituições mais bem preparadas. A busca por eficiência operacional, a inovação em produtos e a consolidação de uma governança fiscal inteligente podem criar vantagens competitivas duradouras.
A nova legislação, ao forçar uma análise mais rigorosa de custos e margens, pode ser o catalisador para um salto de maturidade na gestão de muitas empresas do setor.
Concluímos que o momento é de ação decisiva. Os líderes que compreenderem a magnitude das mudanças trazidas pela Lei Complementar 214/2025 e que conduzirem suas equipes com um plano claro e bem executado, não apenas evitarão as armadilhas da nova legislação, mas também posicionarão suas organizações para liderar em um ambiente de negócios mais transparente, ainda que mais complexo.
A reforma tributária chegou, e com ela, a prova definitiva da capacidade de adaptação e da visão estratégica do mercado financeiro brasileiro.