O cenário jurídico brasileiro, sempre dinâmico e em constante aprimoramento, recentemente foi palco de um relevante desdobramento no que tange à impenhorabilidade do bem de família.
A Segunda Seção do E. Superior Tribunal de Justiça (STJ), em um movimento decisivo sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.261), consolidou duas teses que trazem maior clareza e previsibilidade às situações envolvendo a garantia hipotecária sobre imóveis residenciais.
Essa análise é fundamental para todos que atuam no universo das garantias reais, da responsabilidade patrimonial e da segurança jurídica das transações.
O Princípio da Proteção e Suas Nuances Essenciais
A Constituição Federal, em sua essência protetiva, eleva o direito à moradia a um patamar fundamental. A Lei 8.009/1990, por sua vez, materializa essa proteção ao instituir a impenhorabilidade do bem de família, salvaguardando o imóvel destinado à residência familiar de constrições judiciais.
O Ministro Antonio Carlos Ferreira, relator dos recursos representativos da controvérsia, reiterou a finalidade desse instituto: “O bem funcionalmente destinado à moradia da família está protegido da retirada do patrimônio do devedor, de forma a eliminar ou vulnerar aquele direito fundamental”.
Contudo, é crucial compreender que, no Direito, poucos princípios são absolutos, e a proteção ao bem de família não foge a essa regra.
O próprio legislador previu exceções que visam harmonizar essa proteção com outros valores igualmente importantes, como a boa-fé objetiva e a segurança das relações jurídicas.
É nesse delicado equilíbrio que as recentes teses do E Superior Tribunal de Justiça se inserem, oferecendo uma direção precisa para a interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao tema.
As Novas Teses do STJ:
As duas teses firmadas pelo STJ sob o Tema 1.261 representam um marco na jurisprudência sobre o tema. Analisemos cada uma delas com a profundidade que merecem:
Tese 1: A Dívida em Benefício da Entidade Familiar
A primeira tese estabelece que a exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/1990 (que trata da execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar), restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar.
Isso significa que, para que o imóvel hipotecado perca sua proteção legal, não basta que ele tenha sido oferecido em garantia.
É imprescindível demonstrar que o recurso obtido por meio dessa garantia se reverteu, de alguma forma, em proveito direto da família.
Seja para aquisição de outro bem, para despesas essenciais à manutenção do lar ou para investimentos que beneficiem o núcleo familiar, a finalidade da dívida é o pilar dessa exceção.Essa sutileza é vital para se distinguir situações de uso da garantia para fins estritamente pessoais ou empresariais sem conexão com o sustento familiar.
Tese 2: O Ônus da Prova e a Responsabilidade dos Envolvidos
A segunda tese aborda o crucial tema do ônus da prova, definindo com clareza quem deve comprovar o benefício ou não benefício da dívida para a família, dependendo da situação:
- Garantia por Sócio de Pessoa Jurídica: Se o bem de família foi dado em garantia real por um dos sócios de uma pessoa jurídica, a regra geral é a impenhorabilidade. Nesse cenário, o ônus de comprovar que o débito da sociedade se reverteu em benefício da família recai sobre o credor. Essa diretriz reforça a proteção ao bem de família individual, exigindo que a parte que busca a penhora demonstre a conexão entre a dívida empresarial e o proveito familiar;
- Únicos Sócios e Titulares do Imóvel Hipotecado: Por outro lado, caso os únicos sócios da pessoa jurídica sejam os próprios titulares do imóvel hipotecado, a regra é a penhorabilidade do bem de família. Aqui, o ônus de demonstrar que o débito da sociedade NÃO se reverteu em benefício da entidade familiar compete aos proprietários. Essa distinção é lógica e pragmática: quando os proprietários do bem são os mesmos que controlam a pessoa jurídica e oferecem o imóvel em garantia, presume-se um maior envolvimento e conhecimento sobre a destinação dos recursos.
A importância dessas teses reside na pacificação de um tema que gerava controvérsia, conferindo maior segurança jurídica e previsibilidade às partes envolvidas em operações que envolvem a garantia de bens imóveis.
O Comportamento Contraditório e a Boa-Fé Objetiva
Um ponto de destaque na fundamentação do Ministro Antonio Carlos Ferreira é a rejeição ao comportamento contraditório. Ao oferecer o imóvel como garantia hipotecária, o devedor assume uma postura que gera legítima expectativa no credor.
Tentar, posteriormente, invocar a impenhorabilidade do bem de família sem justificativa plausível seria uma conduta que viola a boa-fé objetiva, princípio basilar do nosso ordenamento jurídico.
Como bem assinalou o Relator, “Admitir que a defesa seja oposta em toda e qualquer situação, implicaria o esvaziamento da própria garantia que constituiu o fundamento que conferia segurança jurídica e suporte econômico à contratação posterior”.
Essa visão sublinha a necessidade de se honrar os compromissos assumidos, especialmente quando estes são formalizados mediante a constituição de uma garantia real.
Implicações Práticas e Oportunidades
A fixação dessas teses não é meramente acadêmica. Ela possui profundas implicações práticas.
Com a pacificação do entendimento, todos os processos que estavam suspensos aguardando o precedente, incluindo recursos especiais e agravos em recurso especial, poderão voltar a tramitar.
Isso significa uma aceleração na resolução de litígios e maior clareza para as partes envolvidas.Para aqueles que buscam a satisfação de seus direitos creditórios, a compreensão aprofundada dessas teses é um diferencial.
Conhecer os detalhes do ônus da prova e as condições para a relativização da impenhorabilidade do bem de família permite uma atuação mais estratégica e eficaz.
Da mesma forma, para os proprietários de imóveis que consideram oferecê-los em garantia, a ciência dessas diretrizes é vital para uma tomada de decisão informada e responsável.
Os desdobramentos e a aplicação dessas importantes teses nos tribunais, contribuirão para um ambiente jurídico mais estável e seguro para as transações que envolvem bens imóveis, serão compartilhados nesse ambiente e nas redes sociais da BSA.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Repetitivo fixa teses sobre exceção à impenhorabilidade do bem de família”. Notícias, 23 de junho de 2025.
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