A responsabilidade tributária dos sócios e administradores por dívidas tributárias, impostos, taxas e contribuições, da sociedade é debatida com frequência tanto entre estudiosos do Direito Tributário quanto nos Tribunais brasileiros.
Uma das situação que chamam mais atenção é a respeito da pretensão do fisco responsabilizar o sócio ou administrador antes do ajuizamento da execução fiscal, mediante a inclusão na Certidão de Dívida Ativa (CDA) juntamente com nome da sociedade executada, com o consequente ajuizamento da execução fiscal em face de todos.
Entretanto, na maioria das vezes a inclusão dos nomes dos sócios ou administradores da sociedade é realizada sem que tenha previamente ocorrido a intimação deles no processo administrativo fiscal que originou a CDA.
Esses casos são distintos daqueles nos quais os administradores são incluídos na execução fiscal como responsáveis, tendo o redirecionamento sendo fundamentado no artigo 135, inciso III, do CTN e Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, motivo pelo qual cumpre analisar a legalidade desse ato.
I – A Responsabilidade Automática dos Sócio ou Administrador por Débitos Tributários da Sociedade
Conforme a norma do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN), diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado respondem pessoalmente pelos créditos tributários que resultem de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
Entretanto, está consolidado pelos Tribunais Pátrios que a mera inadimplência da sociedade, contudo, não autoriza automaticamente a responsabilização pessoal do sócio ou administrador.
Além disso, a Fazenda Pública tem o dever de provar que os “[…] diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado […]” agiram com excesso de proveres ou descumprimento à lei ou ao contrato, conforme pode ser observado da ementa da Súmula 430 do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.
Está consolidado o entendimento segundo o qual é vedada a responsabilização automática dos diretores, administradores, por dívidas tributárias da sociedade fundamentada somente pelo não pagamento de impostos, taxas, contribuições e outros tributos.
II – Presunção de Dissolução Irregular e Responsabilidade Tributária – Entendimento do STJ
Após muito debate e diversos julgamentos a respeito da dissolução irregular das sociedades ser considerada uma das hipóteses de infração à lei, permitindo então a responsabilização dos administradores por dívidas tributárias, ficou estabelecido que nesses casos é possível ao Juiz deferir o pedido de redirecionamento da execução fiscal, ajuizada inicialmente contra a sociedade, contra os administradores.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ – consolidou entendimento sobre a responsabilidade tributária de diretores, gerentes, etc., especialmente no que que diz respeito à dissolução irregular da sociedade, no julgamento que originou a Súmula 435 do STJ, transcrita a seguir:
“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
Contudo, essa presunção admite prova em contrário, e a responsabilização do sócio requer a demonstração de que ele exercia poderes de gestão à época da dissolução irregular, bem como é possível, em embargos à execução fiscal, demonstrar que a sociedade não está dissolvida, ou seja, que ainda está em funcionamento.
A comprovação da ausência de dissolução irregular na maioria dos casos demanda dilação probatória, o que exige que a alegação seja realizada através dos embargos à execução, ou, eventualmente, caso haja prova pré-constituída em exceção de pré-executividade, o que é menos comum.
Esse julgamento e referida súmula salientaram a importância do acompanhamento do processo de execução fiscal desde o seu início, bem como a manutenção dos cadastros da sociedade perante os órgãos oficiais, como forma de evitar o redirecionamento da execução fiscal contra os administradores.
III – A Inclusão do Nome dos Sócios ou Administradores na CDA Autoriza Execução Fiscal?
A Certidão de Dívida Ativa tem presunção de certeza e liquidez, conforme previsto na norma do artigo 204 do CTN. Todavia, essa presunção pode ser afastada quando ocorre uma irregularidade, nulidade, ou descumprimento de garantia fundamental, como, por exemplo, a falta de prévia intimação dos sócios ou administradores no processo administrativo fiscal que originou a CDA.
A ausência de notificação dos sócios e administradores para apresentar impugnação, manifestação, ou qualquer ato de inconformidade a sua inclusão como devedor solidário na CDA ofende as garantias fundamentais ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, previstas na constituição da república de 1988.
Esses fundamentos são suficientes para responder à pergunta central desta pesquisa, se os sócios ou administradores respondem por débitos da empresa quando seu nome consta da CDA objeto da execução fiscal, quanto não há a intimação prévia para apresentação de defesa na esfera administrativa.
Considerando a legislação vigente a inclusão dos sócios ou administradores na CDA sem a devida oportunidade para a apresentar manifestação, ato de inconformidade, é considerada nula, irregular, não sendo admitida a respoosabilidade tributária por débitos da sociedade sem oferecer, muito menos o ajuizamento de execução fiscal de terceiros além da sociedade.
Entretanto, cumpre salientar que o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça é de que, quando constar da CDA o nome do responsável solidário, será desse o ônus de provar a ausência do cometimento de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
Seguindo o mesmo entendimento, é dever do administrador responsabilizado, juntar o processo administrativo que originou a CDA e a ausência de intimação para apresentação dos atos de defesa.
IV – O Entendimento dos Tribunais sobre a Necessidade de Prévia Intimação dos Sócios e Administradores no Processo Administrativo Fiscal
A maioria dos julgados dos Tribunais que enfrenta esse tema tem como objeto casos de redirecionamento da execução fiscal contra o administrador nos casos de dissolução irregular, e os julgados que enfrentam a questão específica da responsabilização dos administradores e terceiros dividem-se.
O principal fundamento é a decisão do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual “na execução ajuizada em face de pessoa jurídica, quando o nome do sócio figura na CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional (julgamento repetitivo, representativo de controvérsia: REsp 1104900/ES)”.
Alguns Tribunais entendem que a dívida quando declarada, confessada, pela sociedade, representada pelo administrador, não exige prévio processo administrativo originador da CDA, sendo suficiente constar o nome da sociedade contribuinte e do administrador como responsável solidário.
Esse entendimento comporta muita crítica fundamentada em diversas linhas de argumentos, seja pela impossibilidade de confundir a entidade com seus adiministradores no ato das suas funções, seja pela desconsideração das garantias fundamentais ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, dentre outros argumentos.
Entretanto, há tribunais que vem firmando posicionamento no sentido de ser devida a notificação do terceiro, administrador, para que se manifeste nos autos do processo administrativo fiscal previamente à inclusão do seu nome na CDA, sob pena de nulidade, conforme pode ser observado dos precedentes transcritos a seguir:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. SÓCIO À ÉPOCA DOS DÉBITOS LANÇADOS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. AUSÊNCIA DE REDIRECIONAMENTO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE ENTENDEU PELO CERCEAMENTO DE DEFESA E AUSÊNCIA DA AMPLA DEFESA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. ALEGAÇÃO GENÉRICA. I – Em relação à alegada violação do art. 1.022, II, do CPC/2015, verifica-se que o recorrente limitou-se a afirmar, em linhas gerais, que o acórdão recorrido incorreu em omissão ao deixar de se pronunciar acerca das questões apresentadas nos embargos de declaração, fazendo-o de forma genérica, sem desenvolver argumentos para demonstrar especificamente a suposta mácula. Incidência da Súmula n. 284/STF. II – O feito decorre de ação visando à declaração da inexigibilidade de créditos tributários originados de processos administrativos. A sentença de procedência foi mantida pelo TRF da 4ª Região, sob o entendimento de que os autores, sócios da pessoa jurídica no período da dívida fiscal, não foram intimados a participar do procedimento de constituição do crédito tributário, com violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Foi observada, ainda, a inexistência de pedido de redirecionamento. III – A matéria veiculada no recurso especial é própria de recurso extraordinário, apresenta-se evidente a incompetência do Superior Tribunal de Justiça para analisar a questão ora em apreço, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. IV – Ad argumentandum tantum, o reexame do acórdão recorrido, em confronto com as razões do recurso especial, revela que o fundamento apresentado naquele julgado, acerca da nulidade do processo administrativo fiscal em virtude do cerceamento de defesa, foi utilizado de forma suficiente para manter a decisão proferida no Tribunal a quo e não foi rebatido no apelo nobre, o que atrai os óbices das Súmulas n. 283 e 284, ambas do STF. V – Recurso especial não conhecido. (REsp n. 1.744.402/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 19/12/2019).
EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS – DIREITO TRIBUTÁRIO – ISSQN – ILEGITIMIDADE PASSIVA – ART. 135 DO CTN – REsp nº 1.110.925/SP (TEMA 108) – DECADÊNCIA – TRIBUTO NÃO DECLARADO – ART. 173, I, DO CTN – SÚMULA 555 DO STJ – ENQUADRAMENTO DA TRIBUTAÇÃO ADEQUADO – PROVA PERICIAL – CRÉDITO DEVIDO.
1. O corresponsável pode ser executado, independentemente da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, desde que o seu nome conste da CDA, cabendo-lhe o ônus de comprovar que não teve responsabilidade pela dívida fiscal (REsp nº 1.110.925/SP – Tema 108 do STJ.
2. Demonstrado que o Fisco não apurou a responsabilidade do sócio/diretor no PTA (art. 135 do CTN), não se justifica sua inclusão no polo passivo da execução fiscal.
3. Quando não há declaração do contribuinte do ISS, aplica-se o prazo decadencial quinquenal, na forma do art. 173, I, do CTN (Súmula 555 do STJ).
4. Não caracterizada a tributação sobre “Agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos quaisquer”, não há de se aplicar a hipótese excepcional prevista no item 59 da Lista de Serviços do Decreto-Lei 406/1968.
5. A conclusão da perícia, realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, deve ser acolhida, sobretudo quando ausente qualquer prova nos autos em sentido contrário e não tiver sido impugnada pelas partes. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.093276-4/001, Relator(a): Des.(a) Carlos Henrique Perpétuo Braga , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/04/2024, publicação da súmula em 18/04/2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – ILEGITIMIDADE PASSIVA – SÓCIO INSCRITO NA CDA – INEXISTÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO NO PROCESSO TRIBUTÁRIO ADMINISTRATIVO – MATÉRIA QUE PRESCINDE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE AFASTADA – NULIDADE DO TÍTULO – PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – RECURSO PROVIDO.1. Segundo o enunciado da Súmula nº 393 do Superior Tribunal de Justiça, “a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício, que não demandem dilação probatória”. 2. Despontando dos autos que o sócio administrador não foi notificado do lançamento fiscal, tem-se por afastada a presunção de legitimidade da CDA, o que torna de rigor o reconhecimento da nulidade do título em face do coobrigado, por ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, LV, da Constituição Federal 3. Recurso Provido. (TJMG – Agravo de Instrumento- Cv 1.0000.23.326640-2/001, Relator(a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/03/2024, publicação da súmula em 20/03/2024)\
Os precedentes acima reforçam o entendimento de que é imprescindível que os sócios, administradores, terceiros, tenham sido devidamente intimados no processo administrativo fiscal para que possa exercer seu direito de defesa, sob pena de configurar violação às garantias fundamentais constitucionais do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal.
Cumpre salientar a importância da estratégia de defesa na execução fiscal nesses casos e das diligências prévias, como a obtenção do processo administrativo fiscal que originou a CDA e a análise de todas as fases desse procedimento, o que pode até mesmo oportunizar a defesa através de exceção de pré-executividade caso as provas pré constituídas sejam robustas e inquestionáveis.
V – Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR) – Portaria PGFN nº 948/2017
Atualmente vem aumentando os casos de aplicação do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade nas relações tributárias, conforme previsto na Portaria PGFN nº 948/2017, a qual prevê a possibilidade de a administração fiscal apurar eventuais responsabilidades de administradores e grupos econômicos por dívidas tributárias das sociedades.
Há diversos argumentos de inconstitucionalidade relacionados a esse procedimento, envolvendo, inclusive ofensa ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, entretanto, a maioria das decisões de Tribunais Regionais Federais vem reconhecendo a validade desse procedimento.
Ainda assim, a portaria prevê que que “[…] o PARR será iniciado mediante a notificação do terceiro ao qual se imputa responsabilidade, para, querendo, apresentar impugnação […]”, ou seja, prevê que seja conferido o direito de apresentar defesa.
Dessa forma, o entendimento segundo o qual devem ser oportunizados os atos necessários ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade possui forte fundamento legal.
Conclusão:
Sendo assim, é seguro afirmar que os sócios ou administradores não respondem automaticamente pelos débitos tributários da empresa apenas pelo fato de seu nome constar na CDA.
Para a sua responsabilização é imprescindível que tenha havido prévia intimação no processo administrativo fiscal, assegurando-lhe o contraditório e a ampla defesa.
A ausência da intimação dos sócios e administradores, ou terceiros previstos na legislação, no processo administrativo, para o exercício do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, caracteriza nulidade no título executivo e impede o prosseguimento da execução fiscal contra eles, conforme a legislação, especialmente a constituição da república e os entendimentos dos tribunais.
É essencial que sócios e administradores de empresas assumam a responsabilidade pelos atos de manutenção, continuidade das obrigações regulatórias e informação pública dos dados básicos da empresa, como sede, por exemplo, para evitar, dessa forma, a sua responsabilização por dívidas tributárias originariamente da sociedade empresária.