A “Desbancarização”e o Crescimento dos FIDCs no Brasil: Uma Tendência no Mercado de Capitais para Empresários

O cenário de financiamento corporativo no Brasil passa por uma transformação estrutural. As empresas, historicamente dependentes do crédito bancário tradicional, estão progressivamente migrando suas estratégias de captação de recursos para o mercado de capitais.

Este fenômeno, conhecido como “desbancarização” do crédito, não é uma tendência passageira, mas uma resposta consolidada a um ambiente macroeconômico de juros elevados, à busca dos investidores por retornos mais atrativos e à necessidade das companhias por soluções de financiamento mais ágeis, flexíveis e eficientes.

Neste contexto, o crédito privado emergiu como o protagonista desta nova era, oferecendo um ecossistema robusto que conecta diretamente às necessidades de capital das empresas aos recursos de investidores institucionais e pessoas físicas.

O mercado de crédito privado demonstra um vigor notável. O volume total de emissões em 2023 alcançou R$ 261 bilhões, um aumento de 66,7% em relação ao ano anterior. A tendência de alta se intensificou em 2024, com as emissões primárias registrando R$ 168 bilhões apenas nos primeiros quatro meses, um crescimento de 140% em comparação com o mesmo período de 2023.

Essa expansão é ainda mais impressionante quando se observa a resiliência do setor. Eventos de estresse de crédito de grande repercussão, como as recuperações judiciais que abalaram o mercado em 2023 da Americanas e Ligth, não foram capazes de frear o ímpeto de crescimento.

Pelo contrário, o setor demonstrou maturidade, recuperando-se rapidamente e estabelecendo recordes de captação, o que sinaliza a confiança crescente dos investidores e a adaptação dos fundos para aprimorar seus critérios de análise.

Principais Benefícios do FIDC para Empresários

1. Otimização do Fluxo de Caixa e Capital de Giro: A empresa (cedente) vende seus recebíveis a prazo (duplicatas, cheques, contratos) para o FIDC e recebe o valor à vista. Isso converte vendas futuras em caixa imediato, melhorando a liquidez para pagar salários, fornecedores e investir na operação.

2. Melhoria do Balanço (Financiamento Off-Balance Sheet): A venda dos recebíveis ao FIDC retira esses ativos do balanço da empresa. A operação não é registrada como um empréstimo tradicional, o que melhora os indicadores de endividamento e liquidez, facilitando o acesso a novas linhas de crédito e alavancagem quando necessário.

3. Antecipação a Fornecedores (Risco Sacado): A empresa pode estruturar um FIDC para pagar seus fornecedores à vista, enquanto mantém seu prazo de pagamento estendido com o fundo. Isso fortalece a cadeia de suprimentos, permite negociar melhores preços com os fornecedores e otimiza o capital de giro.

4. Eficiência Tributária: Na venda dos recebíveis ao FIDC, aplica-se um deságio (diferença entre o valor de face e o valor recebido). Para empresas no regime de Lucro Real, esse deságio é contabilizado como despesa financeira, o que reduz a base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL, gerando economia fiscal.

5. Planejamento Patrimonial e Sucessório: O empresário pode usar a estrutura do FIDC para organizar seu patrimônio. Ao concentrar ativos em cotas de um fundo, a transferência para herdeiros torna-se mais simples e líquida do que a divisão de múltiplos bens. A doação de cotas em vida, por exemplo, pode evitar a complexidade e os custos de um inventário tradicional.

6. Diversificação das Fontes de Financiamento: O FIDC é uma alternativa direta ao crédito bancário, o que reduz a dependência de bancos, amplia as opções de captação no mercado privado e, muitas vezes, oferece custos mais competitivos e maior flexibilidade na negociação.

Síntese das Vantagens Competitivas e Patrimoniais

Para a empresa, o crédito privado, especialmente via FIDC, oferece um financiamento mais ágil e flexível que o bancário.

Ele otimiza custos operacionais por meio da negociação com fornecedores, fortalece a cadeia de suprimentos e, crucialmente, funciona como uma ferramenta de gestão de balanço que preserva a capacidade de alavancagem.

Para o empresário, a mesma estrutura se converte em um instrumento sofisticado de planejamento tributário, sucessório e de construção de riqueza.

Ela permite integrar os objetivos corporativos com as metas de proteção e perpetuação do patrimônio familiar, criando um ecossistema onde o sucesso da empresa alimenta diretamente a segurança patrimonial de seus sócios de forma fiscalmente eficiente.

Regulatório: O Impacto da Resolução CVM 175 (investidores/empresários)

O ambiente regulatório dos fundos de investimento no Brasil foi modernizado pela Resolução CVM 175, que entrou em vigor em outubro de 2023. Esta nova norma alinha o mercado brasileiro às melhores práticas internacionais, aumentando a transparência, aprimorando a governança e fortalecendo a proteção aos investidores.

Uma das alterações mais impactantes é a permissão para que FIDCs, cumpridos certos requisitos, possam ser ofertados ao público de varejo (investidores não qualificados), o que antes era restrito a investidores qualificados.

Essa mudança tem o potencial de democratizar o acesso a essa classe de ativos, aumentando a base de investidores e a liquidez do mercado.

A CVM tem atuado para publicar ofícios circulares que esclarecem dúvidas sobre a aplicação da nova regra, conferindo maior segurança jurídica para o setor.

Quando e Como Considerar a Implementação de um FIDC?

A decisão de adotar uma estratégia baseada em crédito privado deve ser precedida de uma análise criteriosa:

  • Diagnóstico Interno: Qual o volume tenho, a qualidade e a previsibilidade dos recebíveis é boa? Uma carteira pulverizada e de qualidade é um pré-requisito
  • Análise da Cadeia de Suprimentos: Qual o perfil dos fornecedores? Existe oportunidade real de ganhos (descontos, prazos) ao oferecer-lhes uma linha de financiamento?
  • Estrutura Societária e Fiscal: Sua empresa ou holding familiar é tributada pelo Lucro Real, permitindo a dedutibilidade das despesas? Quais os objetivos de longo prazo para a sucessão e gestão patrimonial?
  • Análise de Custo-Benefício: Os benefícios superam os custos de estruturação e manutenção de um FIDC? A escala da operação justifica a complexidade?

Perspectivas Futuras

O mercado de crédito privado no Brasil está em uma trajetória ascendente de crescimento e sofisticação. A contínua necessidade de financiamento das empresas, aliada à demanda dos investidores por diversificação, assegura a expansão deste setor.

A nova regulamentação tende a aprofundar o mercado, aumentando a liquidez, mas também elevará o padrão de exigência em governança e gestão de riscos.

A recomendação final para empresários e gestores é clara, a estruturação de operações de crédito privado é uma iniciativa de alta complexidade que demanda, invariavelmente, a assessoria de especialistas nas áreas jurídica, tributária e financeira.

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